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A obrigatoriedade de divulgação do relatório de igualdade salarial e os questionamentos no Judiciário
A lei de igualdade salarial, sancionada em 2023, e o decreto 11.795/23 e portaria do Ministério do Trabalho e Emprego 3.741/23, que a regulamentam, preveem que as empresas com 100 ou mais empregados devem fornecer semestralmente ao governo dados sobre salários e funções dos funcionários. Com estes dados, o Ministério do Trabalho elaborará um relatório, analisando eventual disparidade de gênero, o qual deverá ser divulgado pela empresa, tanto para funcionários, como em seus sites e redes sociais. Ou seja, os relatórios de transparência salarial e critérios remuneratórios têm por finalidade a comparação objetiva entre salários e remunerações, além da proporção de ocupação de cargos por homens e mulheres. Caso sejam constatadas desigualdades salariais ou de critérios de remuneração, a empresa deve apresentar e implementar um plano de ação para atenuar a desigualdade, indicando metas e prazos e criação de programas relacionados à mitigação da desigualdade identificada.
As mencionadas previsões legislativas tem causado muitas dúvidas e discussões judiciais, sobretudo em relação à divulgação de dados possivelmente sensíveis, tanto da empresa quanto dos funcionários.
Em recente caso submetido à análise judicial, entendeu a Juíza Federal da 14ª Vara Federal Cível da SJDF que as obrigações previstas na lei de igualdade salarial invadem a liberdade da atividade econômica e negocial das empresas privadas. Deste modo, as empresas conseguiram a dispensa na obrigatoriedade de divulgar o relatório de transparência salarial na internet e para o grande público. Ainda, conseguiram suspender a determinação de elaboração de plano de ação de mitigação de desiguladade salarial e afastar a autuação e aplicaçã de multa ou imposição de medida em razão do resultado do relatório de transparência.
Em março deste ano, já havia saído outra decisão no mesmo sentido, proferida pela Juíza Federal da 26ª Vara Federal do RJ, que entendeu que "não parece razoável exigir de empresas que forneçam todos os dados, relativos até mesmo a políticas trabalhistas que, tal como afirmado pela demandante, sequer são obrigatórias, bem como que tais dados sejam publicizados inclusive em redes sociais, mediante determinação constante de decreto e portaria, sem o devido respaldo legal, e sem que se demonstre que tais dados são necessários para que se efetive a igualdade salarial que a legislação apontada pretende garantir.". De acordo com a Magistrada, a exigência de publicidade dos dados encontra óbice na suposta garantia de anonimato e sigilo, nos termos da Lei de Proteção de Dados.
Já em maio deste ano, o desembargador federal Souza Ribeiro do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, determinou em liminar a suspensão das obrigações impostas pelo decreto 11.795/23 e pela Portaria MTE 3714/23 que regulamentam a lei 14.611/23, atendendo a pedido de empresa que questionou a constitucionalidade das normas. Para a empresa, as normas extrapolam os limites da lei 14.611/23, impondo obrigações adicionais às previstas na legislação original, além de não apresentaram com clareza os critérios de divulgação, riscos à privacidade dos empregados e potencial dano à imagem das empresa, podendo, ainda, expor informações sensíveis e prejudicar a competitividade no mercado.
Contudo, seguindo entendimento oposto, o juízo da 8ª Vara de Campinas/SP, analisando pedido semelhante, entendeu que as normas e regulamentos relativos à lei de igualdade salarial dão concretude à igualdade entre os gêneros, garantida constitucionalmente. Para a magistrada que julgou o caso, a intenção da lei é garantir a publicidade e transparência salarial e dos critérios de remuneração entre homens e mulheres, bem como propor um plano de ação visando a redução da desigualdade salarial. Deste modo, entendeu por manter a publicação do relatório de transparência salarial da empresa.
No mesmo sentido, o Tribunal Regional Federal da 2ª Região proibiu supermercado de descumprir política de igualdade salarial. A empresa havia acionado a Justiça para não precisar divulgar o relatório de transparência salarial, exigido pelo Ministério do Trabalho e do Emprego, conseguindo medida liminar favorável ao alegar que a disponibilização de dados dos funcionários no relatório seria inconstitucional, pois estariam desprotegidos. No entando, a AGU apresentou recurso sobre a decisão liminar, argumentando que as leis que impõe a obrigatoriedade de divulgação do relatório observam as previsões da LGPD, além de promover a igualdade salarial entre homens e mulheres. O recurso foi provido, sendo a decisão liminar suspensa.
Considerando que se trata de recente alteração legislativa, que impõe obrigações e multas às empresas, é esperado um grande número de ações discutindo a validade da lei de igualdade salarial, a qual ainda enseja grandes dicusssões e questionamentos sobre sua aplicação, vide casos acima relatados, que inclusive apresentam soluções diversas. Desta forma e em especial diante da previsão de aplicação de penalidades, é importante que as empresas sigam com cautela na divulgação dos dados de seus funcionários.
http://www.conjur.com.br/2023-dez-25/lei-da-igualdade-salarial-entre-homens-e-mulheres/